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PROCURA-SE KAMIKAZE POLÍTICO QUE QUEIRA SALVAR NOSSAS CIDADES

Danaê Fernandes

1 de nov. de 2024

Para que mudanças estruturais possam se concretizar, seria valioso um líder ousado o suficiente para propor soluções impopulares para aqueles que se beneficiam do status quo, mas que são cruciais para garantir um futuro sustentável


Ilustração: Danaê Fernandes
Ilustração: Danaê Fernandes

Já dispomos das soluções técnicas para transformar nossas cidades em espaços mais sustentáveis e inteligentes (confira no meu último artigo aqui), mas o verdadeiro desafio é como viabilizar essa implementação de maneira vitoriosa.


Como gestora pública que acaba de superar um ano eleitoral, percebo que o melhor atalho para o Brasil atingir esse objetivo seria através de uma liderança política visionária, que não se deixe levar pela auto estima política, mas sim pela transformação real, profunda e irreversível na forma como organizamos nossas cidades. 


Para que mudanças estruturais possam se concretizar, seria valioso um líder ousado o suficiente para propor soluções impopulares para aqueles que se beneficiam do status quo, mas que são cruciais para garantir um futuro sustentável.  Enrique Peñalosa, por exemplo, desafiou diretamente a indústria automobilística em sua gestão municipal, influenciando não só a capital colombiana, mas corroborando para a valorização dos modos mais sustentáveis de transporte em todo o país.


Peñalosa sabia que priorizar o transporte coletivo e os modos ativos de transporte — como caminhar e pedalar — era a única maneira de garantir um futuro mais sustentável e eficiente para todos. Ele foi o responsável pela implementação do sistema de ônibus TransMilenio, além de ciclovias e áreas pedestres, que abriram espaço para uma nova forma de viver a cidade.


A resistência foi massiva. Grandes corporações, políticos locais e até a opinião pública, acostumada ao uso do carro, atacaram Peñalosa ferozmente. No entanto, ele manteve o foco no futuro da cidade, mesmo sabendo que sua postura poderia custar sua carreira política. 

Ousadia semelhante à de Anne Hidalgo, prefeita de Paris desde 2014, cuja opinião pública tem sido polarizada. De um lado, amplamente admirada por sua visão ambiciosa de transformar Paris em uma cidade mais sustentável e amigável aos pedestres e ciclistas, promovendo a redução do espaço para carros, a criação de ciclovias e o fechamento de áreas ao trânsito motorizado. Essas medidas ganharam apoio daqueles que defendem cidades mais verdes e menos dependentes de automóveis.


Para outros, entretanto, Hidalgo é vista como uma figura autoritária, que prioriza uma agenda ecológica, sem considerar os impactos sociais e econômicos imediatos, criticada por implementar reformas sem o consenso dos cidadãos.

Essa divisão de opiniões é politicamente custosa, e reflete um debate mais amplo sobre o futuro das cidades: precisamos decidir entre manter o status quo ou promover mudanças estruturais para alcançar maior sustentabilidade. 


As cidades do presente, com seu modelo centrado no automóvel, padrões de construção que maximizam áreas impermeáveis e falta de priorização dos modos ativos de transporte e do transporte coletivo, são exemplos de um sistema que “dá certo” apenas na superfície e no curto prazo. Manter esse modelo é politicamente confortável, pois não são necessárias mudanças estruturais nem alteram o cotidiano dos eleitores. 


Para realmente transformar as cidades, precisamos adotar mudanças estruturais e sustentáveis que coloquem o ser humano e o meio ambiente no centro das decisões urbanas. Esse futuro demanda estratégias como a implementação de infraestrutura verde, a priorização de modos de transporte mais limpos e a revalorização dos espaços públicos e das comunidades locais. 


Não se trata apenas de um novo urbanismo ou novas tecnologias; essas mudanças são um novo contrato social com a vida urbana, que questiona a lógica da cidade como espaço de consumo e transporte privado e propõe um ecossistema humano integrado.


Em um ambiente onde o horizonte de muitos gestores se limita ao ciclo eleitoral e à busca pela reeleição, alguém capaz de colocar o bem-estar da população à frente de qualquer cálculo político seria marcante para nosso país. 


Mas esse líder precisaria estar disposto a explodir seu próprio capital político por uma visão de longo prazo. 


Publicado originalmente no portal Connected Smart Cities.

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